O Projeto Político-Pedagógico (PPP) é o texto fundamental de uma escola. É o plano global da instituição, onde se define o tipo de ação educativa que se quer realizar e se expõe a visão de mundo, o conhecimento da realidade, a intencionalidade e os caminhos para se chegar onde se quer chegar. Dado que o PPP será a referência para todos os projetos e todo trabalho educativo na escola, para se montar uma escola livre, ou para transformar uma escola em uma escola livre, é imprescindível que essa discussão esteja presente nele.
Existem diferentes maneiras de se elaborar e colocar em prática um PPP, mas nossa sugestão é de que esse processo seja compartilhado com toda comunidade, desde a gestão, passando pelas educadoras e educadores, demais funcionários e funcionárias, estudantes e familiares. Quanto mais plural e participativo, mais significativo para aquela determinada comunidade.
Para saber mais sobre a (re)construção do projeto político-pedagógico e sua aplicação numa perspectiva da gestão democrática, consultar VASCONCELLOS, Celso S. Coordenação do trabalho pedagógico: do projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala de aula. São Paulo: Cortez, 2019.
Há muitos dispositivos pedagógicos que podem ser adotados sem uma transformação profunda no projeto pedagógico da escola. Dispositivos que professoras e professores podem adotar individualmente, outros que grupos de docentes podem propor e ainda alguns que gestores e gestoras podem indicar e apresentar para a comunidade. Alguns desses dispositivos podem, inclusive, provocar mudanças maiores envolvendo colegas e familiares.
Sugerimos cinco:
Trabalhar com projetos pode ser uma saída simples e eficaz. Os projetos podem ser realizados por um professor de uma mesma área, ou por dois ou mais professores, de áreas distintas. Podem ser coletivos, de uma turma inteira ou de pequenos grupos; podem ser pessoais, com ênfase nas escolhas dos estudantes. Os projetos costumam ser mais envolventes, com maior participação de estudantes; tendem a considerar diferentes ritmos de aprendizagem e expectativas; além disso, são passíveis de serem trabalhados com diferentes faixas etárias e contextos.
As tutorias são formas de aprofundar o vínculo entre educador e educando, de estabelecer uma relação de proximidade, menos hierárquica e mais íntima. Conhecendo-se a criança ou o adolescente, pode-se oferecer aquilo que eles não têm ou aperfeiçoar o que já têm. As tutorias podem conter orientações de estudos, de projetos de vida ou servir de suporte emocional e espaço de sociabilidade. Podem ser individuais ou em grupos pequenos.
Uma boa maneira de exercer protagonismo é por meio de comissões ou grupos de trabalho. Estudantes se juntam para resolver desafios da comunidade, propor soluções para questões da escola, gerir espaços específicos, organizar eventos, cuidar da horta, mediar conflitos, fazer intervenções nos muros e paredes etc. Dependendo da ação ou do foco da comissão, recomenda-se a supervisão de professoras, professores, funcionários e funcionárias ou estudantes mais velhos.
Assembleias escolares são reuniões para se deliberar sobre regras e questões relativas ao convívio escolar. É o momento do exercício político da palavra, de fala e escuta, como um vislumbre da cidadania. Podem ser realizadas por uma turma, pelo grupo de professores/funcionários ou pela escola, com participação direta ou por representação. As pautas podem ser estabelecidas por indivíduos ou por grupos e podem ser livres ou com restrições.
Dispositivos de escuta das crianças e adolescentes são comuns e diversos ao longo da história das escolas livres. A Caixa de Escuta, por exemplo, permite a qualquer pessoa depositar seus sentimentos e pensamentos sem a necessidade de se expor.
Existem diversas possibilidades e formas de se construir uma escola livre, seja como uma escola pública, pela iniciativa privada, ou pelo terceiro setor. Mas é fundamental que a escola livre não reproduza ambientes de exclusão e desigualdade social e econômica, buscando sempre a diversidade em todos os níveis.
A escola pública, ainda que sob o controle permanente do Estado e do seu sistema de ensino, tem a possibilidade de buscar a sua autonomia administrativa e pedagógica, garantida em lei. A vantagem de ser uma escola gratuita, que não depende da conquista de mensalidades, já garante um certo nível de liberdade e autonomia, muito mais próximo da realidade do território no qual está inserida.
Já a iniciativa privada tem a vantagem de não depender nem precisar reproduzir as normativas determinadas pela rede de ensino, possuindo mais autonomia para poder criar pedagogicamente aquilo que acredita de fato. No entanto, precisa se manter por meio de algum tipo de financiamento, seja de um patrocinador ou de um mantenedor, seja por meio das mensalidades pagas pelas famílias, e o desafio é não se tornar elitista e excludente, o que seria completamente incoerente com o paradigma de liberdade.
Por estes motivos algumas escolas buscam a saída através do terceiro setor, mas enfrentam também desafios. O fato da escola ser uma organização do terceiro setor pode permitir e facilitar alguns modelos de financiamento. Embora no Brasil não exista financiamento público destinado à educação, que fica restrita ao dever e responsabilidade do Estado, conforme garantido na Constituição Federal, existem algumas possibilidades, como o Cebas Educação. Trata-se de uma certificação voltada a entidades beneficentes de assistência social que tenham atuação exclusiva ou preponderante na área de educação.
As dificuldades práticas para se construir uma escola livre são muitas. A formação inicial dos professores é uma delas. A maior parte das universidades e faculdades do Brasil forma professores no modelo tradicional; assim, os futuros professores tendem a reproduzir esse modelo. Uma forma de remediar essa situação é apostar nas formações continuadas, que, aos poucos, vão se diversificando e se aprimorando em buscar alternativas.
Outra dificuldade é a cobrança das famílias. A maior parte delas formou-se em um ensino tradicional e, mesmo que busque modelos não convencionais, costumam sentir-se inseguranços com as alternativas ao ensino tradicional. Vale sempre investir em conversas e apresentações do Projeto Político-Pedagógico e dos temas fundamentais da escola. Incluir as famílias na reconstrução do projeto é sempre interessante.
Além disso, apesar de a legislação permitir outros tipos de organização da escola, as secretarias de ensino normalmente não possuem dirigentes que topam essas mudanças ou mesmo sistemas que aceitem diferentes formas de organização.