Para chegarmos a uma definição daquilo que pode ser considerado uma educação livre precisamos primeiro partir de uma definição comum sobre a concepção de liberdade. Uma concepção capaz de nos fazer refletir sobre a liberdade como um conceito individual ou coletivo, uma vez que precisamos ponderar se é possível ser livre enquanto o outro está sendo preso e/ou explorado, das mais diversas formas.
Assim, historicamente uma educação livre está pautada em autores, pensadores, pedagogos, filósofos, historiadores que pensaram a educação a partir da liberdade como valor comum, compreendendo a necessidade de olharmos para a forma como nos relacionamos com o mundo, com os outros e consigo mesmo. Refletindo se estabelecemos relações horizontais e dialógicas, ou verticais e hierárquicas, se conversamos com os outros para convencer, converter, colonizar e catequizar ou para dialogar, trocar, aprender e crescer.
As escolas livres partem assim de uma perspectiva de liberdade que busca construir os seus processos de forma coletiva, por meio de relações dialógicas e horizontais.
Nas escolas livres os estudantes precisam ter garantida a liberdade para aprender aquilo que desejam, circular pelos diversos espaços da escola, de forma não necessariamente seriada, e quando possível também para além dos muros da escola, com o acompanhamento e cuidados necessários.
Se entendemos a educação como um processo de criação de culturas, cientes de que o hábito é o que nos leva aos vícios ou às virtudes, e de que como escreveu Aristóteles “nada chega ao intelecto, sem antes passar pelos sentidos”, pensar a educação exige refletir coletivamente sobre quais os principais valores que pretendemos plantar e semear na escola. Assim, juntos podemos definir as ações que irão garantir que estes valores sejam transformados em atitudes e consequentemente em rituais e em cultura. Os valores precisam se tornar práticas para garantir a aprendizagem por experiência.
Existem alguns fundamentos comuns que amparam os diversos projetos de escolas livres pelo Brasil e pelo mundo. Liberdade de escolha, espaço de manifestação e deliberação, e flexibilização dos espaços e tempos são exemplos do que se constitui a base das escolas livres. Nem sempre esses princípios aparecem nos projetos de forma simultânea, mas associados nos dão uma boa ideia do que pode ser uma escola livre.
Escolas livres tendem a adotar metodologias variadas como resposta às diferentes maneiras de se aprender. Importante combinar métodos dedutivos (aplicar a teoria em situações específicas) com métodos indutivos (generalizar a partir da experimentação). Igualmente interessante é articular três movimentos distintos: a personalização, onde cada estudante constrói seu caminho, escolhendo temas que fazem sentido a ele ou a ela e tendo seus ritmos respeitados e suas dificuldades e seus talentos considerados; o trabalho em grupo, onde educandas e educandos aprendem com seus pares, em diferentes arranjos para distintos propósitos; e o contato mais direto com educadores e educadoras, cuja função principal de transmissão de informações passa para curadoria, mediação e orientação.
As estratégias para uma aprendizagem ativa, onde crianças e adolescentes exerçam protagonismo em seus percursos pedagógicos, podem ser muitas:
Por último, vale a pena atentar para os estilos de aprendizagem: crianças mais visuais, que têm facilidade com informações organizadas graficamente; crianças mais auditivas, que gostam de falar e ouvir; crianças mais leitoras e escritoras, que aprendem bem lendo, registrando e produzindo informações de maneira escrita; crianças mais corporais (estilo cinestésico), que preferem se movimentar e aprender fazendo; e crianças que misturam estilos de forma simultânea.
A avaliação da aprendizagem e o uso adequado de seus resultados não podem ser confundidos ou não devem ser circunscritos à realização de provas ou exames. Avaliar significa investigar e revelar a qualidade de uma dada realidade, neste caso, a aprendizagem de alguém. Para isso, é preciso planejar a investigação (com base no currículo adotado, no Projeto Político-Pedagógico da instituição e no Plano de Ensino); coletar os dados, que devem ser os mais variados possíveis (atividades escritas, pronunciamentos, entrevistas, debates, atividades práticas, atitudes); e atribuir qualidade ao desempenho dos alunos e alunas, a partir do padrão de qualidade definido anteriormente.
Para saber mais sobre avaliação da aprendizagem e o uso dos seus resultados, consultar: LUCKESI, Cipriano. Avaliação em educação: questões epistemológicas e práticas. São Paulo: Cortez, 2021.
Depois de avaliar, pode-se fazer um uso seletivo ou um uso diagnóstico dos resultados.
Uso seletivo | Uso diagnóstico |
---|---|
O uso seletivo, mais comum nas escolas convencionais, classifica o desempenho do estudante através de uma nota escolar e posteriormente o seleciona, aprovando-o ou reprovando-o. | O uso diagnóstico, por sua vez, tem por objetivo subsidiar a educadora ou o educador a tomar as medidas necessárias para garantir que todos e todas aprendam o que lhes é de direito, ou seja, diagnostica-se para escolher as ações adequadas e subsequentes. |
Importante reconhecer que no Brasil somos favorecidos por leis avançadas em suas concepções pedagógicas, que nos amparam para buscar as melhores estratégias possíveis, desde que sempre comprometidos com os objetivos das aprendizagens dos estudantes.
A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação Nacional é a mais importante lei brasileira no que diz respeito à educação. A primeira LDB foi criada em 1961; a última em 1996, com atualizações desde então.
Os artigos 14 e 15 tratam das diversas formas de organização da escola pública e de sua autonomia pedagógica e administrativa:
Art. 14 – Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
I. Participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;
II. Participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.
Art. 15 – Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas de direito financeiro público.
O Artigo 23, por sua vez, é um dos mais importantes e pedagogicamente avançados, pois autoriza explicitamente as escolas a se organizarem de forma livre:
Art. 23 – A educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.
Já o Plano Nacional de Educação (PNE), previsto na Constituição de 1988 e regulamentado na LDB, só foi aprovado em sua primeira versão em 2001. O atual PNE traz diagnósticos sobre a educação brasileira e estabelece diretrizes, metas e estratégias para o desenvolvimento da educação no país.
A meta 19 do PNE trata especificamente da Gestão democrática e coloca como objetivo:
Assegurar condições, no prazo de 2 anos, para a efetivação da gestão democrática da Educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto.